sábado, 28 de outubro de 2017

conhecendo melhor como foi a reforma protestante


Por Jânio Santos de Oliveira





 Pastor e professor da Igreja evangélica Assembléia de Deus em Santa Cruz da Serra
Pastor Presidente: Eliseu Cadena


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Meus amados e queridos irmãos em Cristo Jesus, a Paz do Senhor!



Esta é a minha singela homenagem aos internautas neste momento em que comemoramos os 500 anos da reforma protestante.


Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra. 2 Timóteo 3:16-17



Aquele foi sem dúvida um momento singular do mundo religioso, haja vista, o fato de que as indulgências e o legalismo afloravam a prática religiosa se maneira legalista, visando substituir o sacrifício de Cristo na crus do calvário.

Este artigo descreve e analisa a Reforma Protestante do século XVI dentro do complexo contexto religioso, social, político e intelectual que vivia a Europa de então. O texto considera as causas desse importante movimento, suas características e personagens principais, bem como seus efeitos na igreja e na sociedade. 





Os 5 pilares da Reforma Protestante

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A Reforma Protestante foi um movimento que procurou voltar às bases do ensinamento da Bíblia, tirando as tradições erradas que tinham surgido ao longo dos séculos. O movimento protestante se baseia em 5 princípios fundamentais os 5 "somentes":

1. Sola Scriptura - Somente as Escrituras

Todo ensinamento deve ser fundamentado na Bíblia, que é a palavra de Deus. Ela é a única autoridade divina para a fé. Todo ensino e toda tradição devem ser analisadas à luz da Bíblia. Se não está bem fundamentado na Bíblia, não vale como doutrina!

2. Sola Fide - Somente a Fé


Só existe uma forma de alcançar a salvação: pela fé. Por mais que façamos, nossas obras não conseguem nos salvar do pecado e suas consequências. Somente quando cremos em Jesus como nosso salvador é que recebemos a salvação. Uma vida de boas obras é consequência da salvação, não o contrário.

3. Sola Gratia - Somente a Graça

Deus não nos salva porque merecemos. Ninguém merece a vida eterna, porque todos pecamos. Não há nada que podemos fazer para merecer a salvação. Mas Deus nos oferece a salvação de graça, porque ele nos ama!

4. Solus Christus - Somente Cristo


Jesus é o único caminho para a salvação e o único mediador entre nós e Deus. Ele pagou o preço por todos os nossos pecados! Por isso, quando o reconhecemos como nosso salvador, nossos pecados são todos perdoados. A única coisa que precisamos fazer é arrepender-nos. Em Jesus temos acesso direto a Deus, sem mais intermediários.

5. Soli Deo Gloria - Somente a Deus a Glória


Deus é o único que merece toda a glória e toda a adoração. Ele é o único Deus que existe e ele está presente em todo lado, pronto para nos ouvir quando nos viramos para ele. Por isso, não devemos adorar nem orar para deuses falsos, imagens nem santos. Essa glória pertence somente a Deus.




I. Resumo da reforma

Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê: primeiro do judeu, depois do grego. Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: "O justo viverá pela fé". Romanos 1:16-17



A REFORMA PROTESTANTE DO SÉCULO 16



·        Reforma Protestante – um fenômeno complexo:
- Fatores políticos, sociais, intelectuais e religiosos
- A história de Alberto de Mogúncia
·        Reforma Protestante – um fenômeno heterogêneo:
- Quatro manifestações: luteranos, calvinistas, anabatistas, anglicanos

1 . ANTECEDENTES

Políticos e sociais

·        Declínio do feudalismo, crescimento das cidades (burguesia), primórdios do capitalismo
·        Surgimento dos estados nacionais (França, Inglaterra); Sacro Império Germânico
·        Nacionalismo; conflitos crescentes com Roma e os papas
·        Guerra dos Cem Anos (1337-1453): Inglaterra x França (Joana D’Arc)
·        Epidemias (Peste Negra: 1384, etc.) e outras calamidades naturais
·        Essas calamidades produzem morte, devastação e desordem (ruptura da vida pessoal e social), gerando insegurança, ansiedade, pessimismo. A “dança da morte”
·        Renascimento e humanismo: ênfase na liberdade individual, espírito de contestação
·        Invenção da imprensa (Gutenberg, c.1450)

 Religiosos

·        Crise no catolicismo romano e no papado: o Cativeiro Babilônico da Igreja (1309-1377) e o Grande Cisma (1377-1417)
·        Conciliarismo: Concílio de Constança (1414-1417) e outros; reafirmação da supremacia papal
·        Pré-reformadores: João Wycliffe (†1388) – Oxford (Inglaterra); João Hus (†1417) – Praga (Checoslováquia) e os Irmãos Boêmios/Morávios
·        Humanistas bíblicos: Erasmo de Roterdã (†1536) e Novo Testamento em grego/latim; tradução da Bíblia nas línguas européias
·        Retorno às Escrituras: contraste entre o Novo Testamento e as crenças/práticas católicas
·        Movimentos devocionais: misticismo, Devoção Moderna e os Irmãos da Vida Comum (A Imitação de Cristo: 1418)
·        Religiosidade meritória: missas pelos mortos, purgatório, devoção a Maria e aos santos
·        Matemática da salvação: débitos (pecados) e créditos (boas obras); medo da morte, insegurança. Catecismo de Kolde (1470): três motivos de ansiedade: eu vou morrer, não sei quando, não sei para onde irei
·        Papas do renascimento: Alexandre VI (1492-1503) – Rodrigo Borja; Júlio II (1503-1513); Leão X (1513-1521): “Agora que Deus nos deu o papado, vamos desfrutá-lo”
·        Ressentimento dos governantes e do povo; “Reforma na cabeça e nos membros”

2 . PRINCIPAIS MOVIMENTOS

 Luteranos
·        Martinho Lutero (1483-1546) e eleição do arcebispo Alberto de Mogúncia
·        Experiência religiosa: Wittenberg, justificação pela fé, Noventa e Cinco Teses (1517)
·        1520 – três escritos decisivos: À Nobreza Cristã da Nação Alemã, O Cativeiro Babilônico da Igreja, A Liberdade do Cristão
·        1521 – excomunhão, Dieta de Worms (Castelo Forte), tradução da Bíblia
·        1529 – Dieta de Spira; surge o termo “protestantes”
·        1530 – Confissão de Augsburgo; Filipe Melanchton (1497-1560)
·        Difusão na Alemanha e Escandinávia (Dinamarca, Suécia, Noruega, Islândia)

 Reformados
·        Ulrico Zuínglio (1484-1531): influências humanistas; Novo Testamento de Erasmo
·        Reforma em Zurique (1523-25): “Segunda Reforma”, “Reforma Suíça”, “reformados” Sessenta e Sete Artigos (1523), Comentário sobre a Verdadeira e a Falsa Religião (1525)
·        João Calvino (1509-1564): estudos, influências, conversão (1533), estadia em Genebra
·        As Institutas (1536), comentários, preleções, tratados, sermões, cartas
·        Difusão na França, Alemanha, Holanda (Sínodo de Dort, 1618), Leste Europeu, Inglaterra e Escócia (João Knox, †1572)

 Anabatistas
·        Zurique, 1524: Conrad Grebel, Felix Mantz; conflito com autoridades e Zuínglio
·        Batismo de adultos, imersão – anabatistas (radicais, fanáticos, entusiastas, etc.)
·        1527 – Confissão de Fé de Schleitheim (retorno à igreja do Novo Testamento, batismo, separação do Estado e do mundo, pacifismo)
·        Repressão, perseguições; exceção: episódio de Münster (1532-1535)
·        Menno Simons (1496-1561) – Holanda: menonitas

 Anglicanos
·        Henrique VIII (1491-1547), Eduardo VI (1547-1553), Maria I (1553-1558) – exilados e mártires (O Livro dos Mártires, de Foxe)
·        Arcebispo Thomas Cranmer (1489-1556): Livro de Oração Comum (1549), Quarenta e Dois Artigos (1553)
·        Elizabete I (1558-1603): Acordo Elizabetano (elementos católicos e protestantes)
·        Puritanismo: congregacionais, presbiterianos, batistas; migração para a América (EUA)
·        Assembléia de Westminster (1643-1649): Confissão de Fé e Catecismos

3 . CARACTERÍSTICAS

·        Diversidade religiosa: fim do corpus christianum (Contrarreforma, Concílio de Trento: 1545-1563, guerras)
·        União e depois separação entre a Igreja e o Estado
·        Movimento restaurador (mais que reformador)
·        Princípios: Sola Scriptura, Solus Christus, Sola Gratia, Sola Fides, Soli Deo Gloria
·        Outros: livre exame das Escrituras, sacerdócio de todos os crentes
·        Divergências teológicas: especialmente em torno da Santa Ceia (Colóquio de Marburg)
·        Germe de conquistas futuras como democracia, educação geral, progresso científico, econômico e social

4 . PRESSUPOSTOS

 A centralidade da Escritura:
- Sola Scriptura:            - A redescoberta da Bíblia por Lutero e pelos humanistas
                               - A erudição bíblica de Calvino
- A tradução das Escrituras
- O livre exame
- Tota Scriptura: o princípio regulador
- O Espírito e a Palavra:
   - O Espírito é o autor da Palavra e fala somente pela Palavra
   - O testemunho interno do Espírito Santo.

 A justificação pela fé:

     - Sola gratia, solo Christo, sola fides
     - Justificação = declarar justo; conceito jurídico ou forense
     - Não pelas obras (lei)
     - Efeito libertador
     - Iniciativa divina e resposta humana.

 O sacerdócio de todos os crentes:

     - A igreja como a comunhão dos santos (não só a mãe e mestra)
     - Fim da distinção clero-leigos
     - Negação do conceito de fé implícita

5 . CONSEQUÊNCIAS

 Teológicas:

     - Um novo entendimento da igreja:
        - Igreja invisível (todos os eleitos) e visível (os que professam a fé em Cristo e
           seus filhos)
        - As marcas da igreja: fiel pregação da Palavra, correta ministração dos
           sacramentos.
     - Um novo entendimento da salvação:
        - Dádiva de Deus, do início ao fim
        - Não o alvo, mas o ponto de partida.
     - Um novo entendimento da vida cristã:
        - Abrangente, a santificação do comum
        - Consagração a Deus, e não busca de méritos.

 Políticas:

     - O princípio da diversidade:
        - Fim do conceito de cristandade; pluralismo
        - Diferenças em torno de um núcleo comum.
     - O princípio da tolerância:
        - No início, lutas; depois, busca de igualdade
        - Denominacionalismo.
     - O princípio da democracia participativa:
        - Evolução no relacionamento igreja e estado.

 Sociais:

     - Novo conceito de vocação – todos são vocacionados.
     - Novo conceito de trabalho – nova ética do trabalho; prosperidade.
     - Novo conceito de sociedade – visão holística; puritanos – “santos no

        mundo”

II.  Períodos antecedentes à reforma



Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Efésios 2:8-9

 final da Idade Média 1.1 Os Estados Nacionais Nos séculos que antecederam a Reforma Protestante, a Igreja não vivia em um vácuo, mas sim em um contexto político e social mais amplo com o qual tinha múltiplas interações. No final da Idade Média, houve o surgimento dos chamados “estados nacionais”, as modernas nações européias, o que representou uma grande ameaça às pretensões do papado. Na Alemanha (Sacro Império Romano), Rudolf von Hapsburg foi eleito imperador em 1273. Em 1356, um documento conhecido como Bula de Ouro determinou que cada novo imperador seria escolhido por sete eleitores (quatro nobres e três arcebispos). Havia descentralização política, isto é, o poder dos príncipes limitava a autoridade do imperador, e forte tensão entre a igreja e o estado. Na França, houve o fortalecimento da monarquia com Filipe IV, o Belo (1285-1314). Esse rei enfrentou com êxito o poder da Igreja e dos papas e preparou a França para tornar-se o primeiro estado nacional moderno. Na Inglaterra, o parlamento reuniu-se pela primeira vez em 1295. Esse país teve um grande rei na pessoa de Eduardo I (†1307), que subjugou os nobres e enfrentou com êxito o papa na questão de impostos. 1.2 O Declínio do Papado Este período começa com o pontificado de Bonifácio VIII (1294-1303), um papa arrogante e ambicioso que entrou em confronto direto com o rei Filipe IV acerca de impostos e da autoridade papal. Bonifácio publicou três famosas bulas: Clericis Laicos, na qual reclama que os leigos sempre foram hostis ao clero; Ausculta Fili (“Escuta, filho”), dirigida ao rei francês, e Unam Sanctam (1302), denominada “o canto do cisne do papado medieval”. Irritado com as ações papais, Filipe enviou suas tropas, o papa foi preso e faleceu um mês após ser libertado. Seguiu-se um período de crescente desmoralização do papado. Clemente V (1305- 1314), um papa francês, transferiu a Cúria, ou seja, a administração da Igreja, para Avinhão, ao sul da França, no que ficou conhecido como o “Cativeiro Babilônico da Igreja” (1309-1377). Em toda parte, cresceram as críticas às extravagâncias e ao luxo da corte papal. João XXII (1316-1334) mostrou-se eficiente na cobrança de taxas e dízimos para cobrir essas despesas. Finalmente, ocorreu o chamado “Grande Cisma”, em que houve dois e posteriormente três papas rivais em Roma, Avinhão e Pisa (1378-1417). Diante dessa situação constrangedora, surgiu em toda a Europa um clamor por “reformas na cabeça e nos membros”. 1.3 O Movimento Conciliar Durante o “Grande Cisma”, cada papa considerou-se o único legítimo e excomungou o rival. Assim, houve a necessidade de um concílio para resolver a crise. O Concílio de Pisa (1409) elegeu um novo papa, mas os outros dois recusaram-se a serem depostos, resultando em três papas ao mesmo tempo. João XXIII, o segundo papa pisano, convocou o Concílio de Constança (1414-1417), que depôs os três papas, elegeu Martinho V como único papa, decretou a supremacia dos concílios sobre o papa e condenou os pré-reformadores João Wycliff, João Hus e Jerônimo de Praga. O Concílio de Basiléia (1431-1449) reafirmou a superioridade dos concílios. Finalmente, o Concílio de Ferrara-Florença (1438-1445) tentou a união com a Igreja Ortodoxa (frustrada pela conquista de Constantinopla pelos turcos em 1453) e 3 reafirmou a supremacia papal. Essa tentativa fracassada de tornar a Igreja mais democrática e governá-la através de concílios ficou conhecida como conciliarismo. 1.4 Movimentos dissidentes Outro aspecto desse período de efervescência foi o surgimento de alguns movimentos dissidentes no sul da França que despertaram forte oposição da Igreja Católica. Um deles foi o dos cátaros (em grego = “puros”) ou albigenses (da cidade de Albi), surgidos no século 11. Caracterizavam-se por um sincretismo cristão, gnóstico e maniqueísta, com um dualismo radical (espiritual x material) e extremo ascetismo. Foram condenados pelo 4° Concílio Lateranense em 1215 e mais tarde aniquilados por uma cruzada. Para combater esses e outros hereges, a Inquisição foi oficializada em 1233. Outro movimento foi liderado por Pedro Valdo ou Valdes († c.1205), de Lião, cujos seguidores ficaram conhecidos como “homens pobres de Lião”. Tinham um estilo de vida comunitário, ensinavam as Escrituras no vernáculo (enfatizando o Sermão do Monte), incentivavam a pregação de leigos e de mulheres, negavam o purgatório. Condenados pelo Concílio de Verona em 1184, foram muito perseguidos, refugiando-se em vales remotos e quase inacessíveis dos alpes italianos. Mais tarde, abraçaram a Reforma Protestante, sendo assim uma das poucas Igrejas protestantes anteriores à Reforma do Século 16. 1.5 


III. O surgimento da reforma protestante.

Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus, o qual se entregou a si mesmo como resgate por todos. Esse foi o testemunho dado em seu próprio tempo. 1 Timóteo 2:5-6

Primeiros Movimentos de Reforma Nos séculos 14 e 15, surgiram alguns movimentos esporádicos de protesto contra certos ensinos e práticas da Igreja Medieval. Um deles foi encabeçado por João Wycliff (1325?-1384), um sacerdote e professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Wycliff atacou as irregularidades do clero, as superstições (relíquias, peregrinações, veneração dos santos), bem como a transubstanciação, o purgatório, as indulgências, o celibato clerical e as pretensões papais. Seus seguidores, conhecidos como os lolardos, tinham a Bíblia como norma de fé que todos devem ler e interpretar. João Hus (c.1372-1415), um sacerdote e professor da Universidade de Praga, na Boêmia, foi influenciado pelos escritos de Wycliff. Definia a igreja por uma vida 4 semelhante à de Cristo, e não pelos sacramentos. Dizia que todos os eleitos são membros da igreja e que o seu cabeça é Cristo, não o papa. Insistia na autoridade suprema das Escrituras. Hus foi condenado à fogueira pelo Concílio de Constança. Seus seguidores ficaram conhecidos como Irmãos Boêmios (1457) e foram muito perseguidos. Foram os precursores dos Irmãos Morávios, que veremos posteriormente, outro grupo protestante cujas raízes são anteriores à Reforma do século 16. Outro indivíduo incluído entre os pré-reformadores é Jerônimo Savonarola (1452-1498), um frade dominicano de Florença, na Itália, que pregou contra a imoralidade na sociedade e na Igreja, inclusive no papado. Governou a cidade por algum tempo, mas finalmente foi excomungado e enforcado como herege. 1.6 Movimentos Devocionais Além dos movimentos que romperam com a Igreja, houve outros que permaneceram na mesma por se concentrarem na vida devocional, sem críticas aos dogmas católicos. Um deles foi o misticismo, bastante forte na Inglaterra, Holanda e especialmente na Alemanha (Reno). Os principais místicos dessa época foram Meister Eckhart (†1327); Tauler (†1361) e os “Amigos de Deus”, Henrique Suso (†1366) e mais tarde o célebre teólogo e líder eclesiástico Nicolau de Cusa (1401- 1464). O misticismo dava ênfase à união com Deus, ao amor, à humildade e à caridade, e produziu uma belíssima literatura devocional. Outro importante movimento foi a Devoção Moderna, que se manteve forte durante todo o século 15. Suas ênfases recaíam sobre a espiritualidade, a leitura da Bíblia, a meditação e a oração. Também valorizava a educação, criando ótimas escolas. Foi um movimento leigo, para ambos os sexos, e também exerceu grande influência sobre os reformadores protestantes. Os participantes eram conhecidos como Irmãos da Vida Comum. A obra mais importante e popular produzida por esse movimento foi o belíssimo livreto devocional A Imitação de Cristo (1418), escrito por Thomas à Kempis. 1.7 Os humanistas bíblicos O interesse pelas obras da Antiguidade levou ao estudo da Bíblia nas línguas originais pelos chamados humanistas bíblicos. Os principais deles foram o italiano 5 Lorenzo Valla (†1457), estudioso do Novo Testamento; o inglês John Colet (†1519), estudioso das epístolas paulinas; o alemão Johannes Reuchlin (†1522), notável hebraísta; o francês Lefèvre D’Étaples (†1536), tradutor do Novo Testamento; e o holandês Erasmo de Roterdã (1466?-1536), “o príncipe dos humanistas”, que publicou uma edição crítica do Novo Testamento grego com uma tradução latina, talvez a obra mais importante publicada no século 16, que serviu de base para as traduções de Lutero, Tyndale e Lefèvre e muito influenciou os reformadores protestantes. Esse retorno às Escrituras muito contribuiu para a Reforma do Século 16. 1.8 Situação Geral O final da Idade Média foi marcado por muitas convulsões políticas, sociais e religiosas. Entre as políticas destacou-se a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), entre a Inglaterra e a França, na qual tornou-se famosa a heroína Joana D’Arc. Houve também muitas revoltas camponesas, o declínio do feudalismo, a expansão das cidades e o surgimento do capitalismo. No aspecto social, havia fomes periódicas e o terrível flagelo da peste bubônica ou peste negra (1348). As guerras, epidemias e outros males produziam morte, devastação e desordem, ou seja, a ruptura da vida social e pessoal. O sentimento dominante era de insegurança, ansiedade, melancolia e pessimismo. Isso era ilustrado pela “dança da morte”, gravuras que se viam em toda parte com um esqueleto dançante. Na área religiosa, houve a erosão do ideal da cristandade ou “corpus christianum”, a sociedade coesa sob a liderança da igreja e dos papas. A religiosidade era meritória, com missas pelos mortos, crença no purgatório e invocação dos santos e Maria. Ao mesmo tempo, havia grande ressentimento contra a igreja por causa dos abusos praticados e do desvio dos seus propósitos. Isso é ilustrado pela situação do papado no final do século 15 e início do século 16. Os chamados papas do renascimento foram mais estadistas e patronos das artes e da cultura do que pastores do seu rebanho. A instituição papal continuou em declínio, com muitas lutas políticas, simonia, nepotismo, falta de liderança espiritual, aumento de gastos e novos impostos eclesiásticos. Como papa Alexandre VI (1492-1503), o espanhol Rodrigo Borja foi um generoso promotor das artes e da carreira dos seus filhos César e 6 Lucrécia; Júlio II (1503-1513) foi um papa guerreiro, comandando pessoalmente o seu exército; Leão X (1513-1521), o papa contemporâneo de Lutero, teria dito quando foi eleito: “Agora que Deus nos deu o papado, vamos desfrutá-lo”. 2. 



IV. A Reforma Protestante 

Não a nós, Senhor, nenhuma glória para nós, mas sim ao teu nome, por teu amor e por tua fidelidade! Salmos 115:1


 1ª Parte 2.1 O contexto social e religioso Vimos, no final da seção anterior, alguns elementos que caracterizavam a sociedade européia às vésperas da Reforma. 



As 95 Teses de Lutero As 95 Teses afixadas por Martinho Lutero na Abadia de Westminster a 31 de outubro de 1517, fundamentalmente "Contra o Comércio das Indulgências" Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade, discutir-se-á em Wittemberg, sob a presidência do Rev. Padre Martinho Lutero, o que segue. Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco, o poderão fazer por escrito. Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém. 


1ª Tese Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos... etc., certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo e ininterrupto arrependimento. 

2ª Tese E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se ao sacramento da penitência, isto é, à confissão e satisfação, a cargo dos sacerdotes. 

3ª Tese Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda sorte de mortificação da carne. 

4ª Tese Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência, perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a saber, até à entrada para a vida eterna. 

5ª Tese O papa não quer e não pode dispensar de outras penas além das que impôs ao seu alvitre ou nem acordo com os cânones, que são estatutos papais. 

6ª Tese O papa não pode perdoar dívida, senão declarar e confirmar aquilo que já foi perdoado por Deus, ou então o faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes 

 7 casos, se desprezados, a dívida em absoluto deixaria de ser anulada ou perdoada. 

7ª Tese Deus a ninguém perdoa a dívida sem que ao mesmo tempo o subordine, em sincera humildade, ao ministro, seu substituto. 

8ª Tese Cânones poenitentiales, que são as ordenanças de prescrição da maneira em que se deve confessar e expiar, apenas são impostos aos vivos, e, de acordo com as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos moribundos. 

9ª Tese Eis por que o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluindo este de todos os seus decretos ou direitos o artigo da morte e da necessidade suprema. 

10ª Tese Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e impõe aos moribundos penitências canônicas ou para o purgatório a fim de ali serem cumpridas. 

11ª Tese Este joio, que é o de transformar a penitência e satisfação, prevista pelos cânones ou estatutos, em penitência ou penas do purgatório, foi semeado enquanto os bispos dormiam. 

12ª Tese Outrora canônica poenae, ou seja, penitência e satisfação por pecados cometidos, eram impostos, não depois, mas antes da absolvição, com a finalidade de provar a sinceridade do arrependimento e do pesar. 

13ª Tese Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para o direito canônico, sendo, portanto, dispensados, com justiça, de sua imposição. 

14ª Tese Piedade ou amor imperfeitos da parte daquele que se acha às portas da morte, necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto menos o amor, tanto maior o temor. 

15ª Tese 8 Este temor e espanto em si tão só, sem nos referirmos a outras coisas, basta para causar o tormento e o horror do purgatório, pois se avizinham da angústia do desespero. 

16ª Tese Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um do outro o desespero completo, incompleto ou quase desespero e certeza. 

17ª Tese Parece que assim como no purgatório diminuem a angústia e o espanto das almas, também deve crescer e aumentar o amor. 

18ª Tese Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas razões e nem pela Escritura, que as almas do purgatório se encontram fora da possibilidade do mérito ou do crescimento no amor. 

19ª Tese Parece ainda não ter sido provado que todas as almas do purgatório tenham certeza de sua salvação e não receiem mais por ela, não obstante nós termos esta certeza. 

20ª Tese Por isso o papa não quer dizer e nem compreender com as palavras “perdão plenário de todas as penas” o perdão de todo o tormento, mas tão só as penas por ele impostas. 

21ª Tese Eis por que erram os apregoadores de indulgências ao afirmarem ser o homem perdoado de todas as penas e salvo mediante indulgência do papa. 

22ª Tese Com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas do purgatório das que, segundo os cânones da igreja, deviam ter expiado e pago na presente vida. 

23ª Tese Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este apenas será dado aos mais perfeitos, que são muitos poucos. 

24ª Tese Logo, a maioria do povo é ludibriado com as pomposas promessas do indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas. 9 

25ª Tese Exatamente o mesmo poder geral que o papa tem sobre o purgatório, qualquer bispo e cura d’almas o tem no seu bispado e na sua paróquia, quer de modo especial e quer para com os seus em particular. 

26ª Tese O papa faz muito bem em não conceder o perdão às almas em virtude do poder das chaves (coisa que não possui), mas pela ajuda ou em forma de intercessão. 

27ª Tese Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair na caixa a alma se vai do purgatório. 

28ª Tese Certo é que, no momento em que a moeda soa na caixa, vem lucro, e o amor ao dinheiro cresce e aumenta; a ajuda, porém, ou a intercessão da igreja tão só correspondem à vontade e ao agrado de Deus. 

29ª Tese E quem sabe, se todas as almas do purgatório querem ser libertadas, quando há quem diga o que sucedeu com S. Severino e Pascoal. 

30ª Tese Ninguém tem certeza da suficiência do arrependimento e pesar verdadeiros, muito menos certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão dos seus pecados. 

31ª Tese Tão raro como existe alguém que possui arrependimento e pesar verdadeiros, tão raro também é aquele que verdadeiramente alcança indulgência, sendo bem poucos os que se encontram. 

32ª Tese Irão para o diabo, juntamente com os seus mestres, aqueles que julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência. 

33ª Tese Há que acautelar-se muito e ter cuidado daqueles que dizem: A indulgência do papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dádiva de Deus, pela qual o homem é reconciliado com Deus. 10 

34ª Tese Tanto assim que a graça da indulgência apenas se refere à pena satisfatória, estipulada por homens. 

35ª Tese Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem livrar almas do purgatório ou adquirir breves de confissão não necessitam de arrependimento e pesar. 

36ª Tese Tudo o cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados e sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência. 

37ª Tese Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem breve de indulgência. 

38ª Tese Entretanto se não devem desprezar o perdão e a distribuição deste pelo papa. Pois, conforme declarei, o seu perdão consiste numa declaração do perdão divino. 

39ª Tese Ë extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar diante do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e, ao contrário, o verdadeiro arrependimento e pesar. 

40ª Tese O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo; mas a profusão da indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça, pelo menos quando há oportunidade para tanto. 

41ª Tese É necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal, para que o homem singelo não julgue erradamente ser a indulgência preferível às demais obras de caridade ou melhor do que elas. 11 

42ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos, não ser pensamento e opinião do papa que a aquisição de indulgências de alguma maneira possa ser comparada com qualquer obra de caridade. 

43ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos, proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta ao necessitado do que os que compram indulgência. 

44ª Tese É que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro e livre da pena. 

45ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer necessidade e a despeito disto gasta dinheiro com indulgências, não adquire indulgência do papa, mas desafia a ira de Deus. 

46ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura, fiquem com o necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências. 

47ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos ser a compra de indulgência livre e não ordenada. 

48ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos que se o papa precisa conceder mais indulgências, mais necessita de uma oração fervorosa do que de dinheiro. 

49ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos serem muito boas as indulgências do papa enquanto o homem não confiar nelas; mas muito prejudiciais quando, em conseqüência delas, se perde o temor de Deus. 

50ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos que se o papa tivesse conhecimento da traficância dos apregoadores de indulgência, preferiria ver a basílica de São Pedro ser reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas. 12

 51ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por um dever seu, preferiria distribuir o seu dinheiro aos que em geral são despojados do dinheiro pelos apregoadores de indulgência, vendendo, se necessário, a própria basílica de São Pedro.

 52ª Tese Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira, mesmo se o comissário de indulgências e o próprio papa oferecessem sua alma como garantia. 

53ª Tese São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de indulgências proíbem a palavra de Deus nas demais igrejas. 

54ª Tese Comete-se injustiça contra a palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto ou mais tempo à indulgência do que à pregação da palavra do Senhor. 

55ª Tese A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência, que é a coisa menor, com um toque de sino, uma pompa, uma cerimônia, enquanto o evangelho, que é o essencial, importa ser anunciado mediante cem toques de sino, centenas de pompas e solenidades. 

56ª Tese Os tesouros da igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências, não são bastante mencionados e nem suficientemente conhecidos na Igreja de Cristo. 

57ª Tese É evidente que não são bens temporais, porquanto muitos pregadores não os distribuem com facilidade, antes os ajuntam. 

58ª Tese Também não são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto este sempre são suficientes, e, independente do papa, operam graça do homem interior e são a cruz, a morte e o inferno do homem exterior. 

59ª Tese São Lourenço chama aos pobres, os quais são membros da Igreja, tesouros da Igreja, mas no sentido em que a palavra era usada na sua época. 13 

60ª Tese Afirmamos com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que estes tesouros são as chaves da Igreja, que lhe foram dadas pelo merecimento de Cristo. 

61ª Tese Evidente é que, para o perdão das penas e para a absolvição em determinados casos, o poder do papa por si só basta. 

62ª Tese O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo evangelho da glória e da graça de Deus. 

63ª Tese Este tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com que os primeiros sejam os últimos. 

64ª Tese Enquanto isso o tesouro das indulgências é notoriamente o mais apreciado, porque faz com que os últimos sejam os primeiros. 

65ª Tese Por essa razão os tesouros evangélicos foram outrora as redes com que se apanhavam os ricos e abastados.

 66ª Tese Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se apanham as riquezas dos homens. 

67ª Tese As indulgências, apregoadas pelos seus vendedores como a mais sublime graça, decerto assim são consideradas porque lhes trazem grandes proventos. 

68ª Tese Nem por isso semelhante indulgência é a mais ínfima graça, comparada com a graça de Deus e a piedade da cruz.

 69ª Tese Os bispos e os sacerdotes são obrigados a receber os comissários das indulgências apostólicas com toda reverência. 14 

70ª Tese Entretanto tem muito maior dever de conservar abertos os olhos e ouvidos, para que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não apregoem os seus próprios sonhos. 

71ª Tese Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é excomungado e maldito. 

72ª Tese Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e arrogantes dos apregoadores de indulgências, seja abençoado. 

73ª Tese Da mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com a excomunhão aos que em prejuízo do comércio de indulgências procedem astuciosamente. 

74ª Tese Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles que, sob pretexto de indulgências, prejudicam a santa caridade e a verdade pela sua maneira de agirem. 

75ª Tese Considerar a indulgência do papa tão poderosa, a ponto de absolver alguém dos pecados, mesmo que (coisa impossível de se expressar) tivesse deflorado a mãe de Deus, significa ser demente. 

76ª Tese Bem ao contrário afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo pode anular o menor pecado venial no que diz respeito a culpa que representa. 

77ª Tese Afirmar que nem mesmo São Pedro, se no momento fosse papa, poderia dispensar maior indulgência, constitui insulto contra São Pedro e o papa. 

78ª Tese Dizemos, ao contrário, que o atual papa, e todos os que o sucederam, é detentor de muito maior indulgência, isto é, o evangelho, dom de curar, etc., de acordo com o que diz 1 Coríntios 12.6-9. 15 

79ª Tese Alegar ter a cruz de indulgências, erguida e adornada com as armas do papa, tanto valor como a própria cruz de Cristo é blasfêmia. 

80ª Tese Os bispos, padres e teólogos que consentem em semelhante linguagem diante do povo, terão de prestar contas desta atitude. 

81ª Tese Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a indulgência, torna difícil até homens doutos defenderem a honra e dignidade do papa contra a calúnia e as perguntas mordazes e astutas dos leigos. 

82ª Tese Haja vista exemplo como este: Por que o papa não livra duma só vez todas as almas do purgatório, movido pela santíssima caridade e considerando a mais premente necessidade das mesmas, havendo santa razão para tanto, quando, em troca de vil dinheiro para a construção da basílica de São Pedro, livra inúmeras delas, logo por motivo bastante infundado? 

83ª Tese Outrossim: Por que continuam as exéquias e missas de ano em sufrágio das almas dos defuntos e não se devolve o dinheiro recebido para esse fim ou não se permite os doadores busquem de novo os benefícios ou prebendas oferecidos em favor dos mortos, quando já não é justo continuar a rezar pelos que se acham remidos? 

84ª Tese E: Que nova santidade de Deus e do papa é esta a consentir a um ímpio e inimigo resgate uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e não livrar esta mesma alma piedosa e amada por Deus do seu tormento por amor espontâneo e sem paga? 

85ª Tese E: Por que os cânones de penitência, isto é, os preceitos de penitência, que faz muito caducaram e morreram de fato pelo desuso, tornam a remir mediante dinheiro, pela concessão de indulgência, como se continuassem em vigor e bem vivos? 16 

86ª Tese E: Por que o papa, cuja fortuna é maior do que a de qualquer Creso, não prefere construir a basílica de São Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro de cristãos pobres? 

87ª Tese E: Que perdoa ou concede o papa pela sua indulgência àqueles que pelo arrependimento completo tem direito ao perdão ou indulgência plenária? 

88ª Tese Afinal: Que benefício maior poderia receber a igreja se o papa, que atualmente o faz uma vez ao dia cem vezes ao dia concedesse aos fiéis este perdão a título gratuito? 

89ª Tese Visto o papa visar mais a salvação das almas mediante a indulgência do que o dinheiro, por que razão revoga os breves de indulgência outrora por ele concedidos, quando tem sempre as mesmas virtudes? 

90ª Tese Desfazer estes argumentos muito sutis dos leigos, recorrendo apenas à força e não por razões sólidas apresentadas, significa expor a igreja e o papa ao escárnio dos inimigos e desgraçar os cristãos. 

91ª Tese Se, portanto, a indulgência fosse apregoada no espírito e sentido do papa, estas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido. 17

 92ª Tese Fora, pois, com todos este pregadores que dizem à igreja de Cristo: Paz! Paz! Sem que haja paz! 

93ª Tese Abençoados, porém, sejam todos os pregadores que dizem à igreja de Cristo: Cruz! Cruz! Sem que haja cruz! 

94ª Tese Admoeste-se os cristãos a que se empenhem em seguir seu Cabeça, Cristo, através da cruz, da morte e do inferno;

 95ª Tese E desta maneira mais esperem entrar no reino dos céus por muitas aflições do que confiando em promessas de paz infundadas. 

Havia muita violência, baixa expectativa de vida, profundos contrastes socioeconômicos e um crescente sentimento nacionalista. Havia também muita insatisfação, tanto dos governantes como do povo, em relação à Igreja, principalmente ao alto clero e a Roma. Na área espiritual, havia insegurança e ansiedade acerca da salvação em virtude de uma religiosidade baseada em obras, também chamada de religiosidade contábil ou “matemática da salvação” (débitos = pecados; créditos = boas obras). Foi bastante inusitado o episódio mais imediato que desencadeou o protesto de Lutero. Desde meados do século 14, cada novo líder do Sacro Império Romano era escolhido por um colégio eleitoral composto de quatro príncipes e três arcebispos. Em 1517, quando houve a eleição de um novo imperador, um dos três arcebispados eleitorais (o de Mainz ou Mogúncia) estava vago. Uma das famílias nobres que participavam desse processo, os Hohenzollern, resolveu tomar para si esse cargo e assim ter mais um voto no colégio eleitoral. Um jovem da família, Alberto, foi escolhido para ser o novo arcebispo, mas havia dois problemas: ele era leigo e não tinha a idade mínima exigida pela lei canônica para exercer esse ofício. O primeiro problema foi sanado com a sua rápida ordenação ao sacerdócio. Quanto ao impedimento da idade, era necessária uma autorização especial do papa, o que levou a um negócio altamente vantajoso para ambas as partes. A família nobre comprou a autorização do papa Leão X mediante um empréstimo feito junto aos banqueiros Fugger, de Augsburgo. Ao mesmo tempo, o papa autorizou o novo arcebispo Alberto de Brandemburgo a fazer uma venda especial de indulgências, dividindo os rendimentos da seguinte maneira: parte serviria para o pagamento do empréstimo feito pela família e a outra parte iria para as obras da Catedral de São 7 Pedro, em Roma. E assim foi feito. Tão logo foi instalado no seu cargo, Alberto encarregou o dominicano João Tetzel de fazer a venda das indulgências (o perdão das penas temporais do pecado). Quando Tetzel aproximou-se de Wittenberg, Lutero resolveu pronunciar-se sobre o assunto. 2.2 Martinho Lutero (1483-1546) Martinho Lutero nasceu em 1483 na pequena cidade de Eisleben, na Turíngia, em um lar muito religioso. Seu pai trabalhava nas minas e a família tinha uma vida confortável. Inicialmente, o jovem pretendeu seguir a carreira jurídica, mas em 1505 defrontou-se com a morte em uma tempestade e resolveu abraçar a vida religiosa. Ingressou no mosteiro agostiniano de Erfurt, onde se dedicou a uma intensa busca da salvação. Em 1512, tornou-se professor da Universidade de Wittenberg, onde passou a ministrar cursos sobre vários livros da Bíblia, como Gálatas e Romanos. Isso lhe deu um novo entendimento acerca da “justiça de Deus”: ela não era simplesmente uma expressão da severidade de Deus, mas do seu amor que justifica o pecador mediante a fé em Jesus Cristo (Rom 1.17). No dia 31 de outubro de 1517, diante da venda das indulgências por João Tetzel, Lutero afixou à porta da igreja de Wittenberg as suas Noventa e Cinco Teses, a maneira usual de convidar-se uma comunidade acadêmica para debater algum assunto. Logo, uma cópia das teses chegou às mãos do arcebispo, que as enviou a Roma. No ano seguinte, Lutero foi convocado para ir a Roma a fim de responder à acusação de heresia. Recusando-se a ir, foi entrevistado pelo cardeal Cajetano e manteve as suas posições. Em 1519, Lutero participou de um debate em Leipzig com o dominicano João Eck, no qual defendeu o pré-reformador João Hus e afirmou que os concílios e os papas podiam errar. Em 1520, a bula papal Exsurge Domine (= “Levanta-te, Senhor”) deu-lhe sessenta dias para retratar-se ou ser excomungado. Os estudantes e professores da universidade queimaram a bula e um exemplar da lei canônica em praça pública. Nesse mesmo ano, Lutero escreveu várias obras importantes, especialmente três: À Nobreza Cristã da Nação Alemã, O Cativeiro Babilônico da Igreja e A Liberdade do Cristão. Isso lhe deu notoriedade imediata em toda a Europa e aumentou a sua popularidade na Alemanha. No início de 1521, foi publicada a bula de excomunhão, 8 Decet Pontificem Romanum. Nesse ano, Lutero compareceu a uma reunião do parlamento, a Dieta de Worms, onde reafirmou as suas idéias. Foi promulgado contra ele o Edito de Worms, que o levou a refugiar-se no castelo de Wartburgo, sob a proteção do príncipe-eleitor da Saxônia, Frederico, o Sábio. Ali, Lutero começou a produzir uma obra-prima da literatura alemã, a sua tradução das Escrituras. 2.3 A Reforma na Alemanha A partir de então, a reforma luterana difundiu-se rapidamente no Sacro Império, sendo abraçada por vários principados alemães. Isso levou a dificuldades crescentes com os principados católicos, com o novo imperador Carlos V (1519- 1556) e com o parlamento (Dieta). Na Dieta de 1526, houve uma atitude de tolerância para com os luteranos, mas em 1529 a Dieta de Spira reverteu essa política conciliadora. Diante disso, os líderes luteranos fizeram um protesto formal que deu origem ao nome histórico “protestantes”. No ano seguinte, o auxiliar e eventual sucessor de Lutero, Filipe Melanchton (1497-1560), apresentou ao imperador Carlos V a Confissão de Augsburgo, um importante documento que definia em 21 artigos a doutrina luterana e indicava sete erros que Lutero via na Igreja Católica Romana. Os problemas político-religiosos levaram a um período de guerras entre católicos e protestantes (1546-1555), que terminaram com um tratado, a Paz de Augsburgo. Esse tratado assegurou a legalidade do luteranismo mediante o princípio “cujus regio, eius religio”, ou seja, a religião de um príncipe seria automaticamente a religião oficial do seu território. O luteranismo também se difundiu em outras partes da Europa, principalmente nos países nórdicos, surgindo igrejas nacionais luteranas na Suécia (1527), Dinamarca (1537), Noruega (1539) e Islândia (1554). Lutero e os demais reformadores defenderam alguns princípios básicos que viriam a caracterizar as convicções e práticas protestantes: sola Scriptura, solo Christo, sola gratia, sola fides, soli Deo gloria. Outro princípio aceito por todos foi o do sacerdócio universal dos fiéis. 2.4 Ulrico Zuínglio (1484-1531) 9 Ulrico Zuínglio recebeu uma educação esmerada, com forte influência humanista. Inicialmente, foi sacerdote em Glarus (1506) e em Einsiedeln (1516). Influenciado pelo Novo Testamento publicado por Erasmo de Roterdã, tornou-se um estudioso das Escrituras e um pregador bíblico. Com isso, foi chamado para trabalhar na catedral de Zurique em 1518. Quatro anos mais tarde, surgiram as primeiras divergências com a doutrina católica. Zuínglio defendeu o consumo de carne na quaresma e o casamento dos sacerdotes, alegando não serem essas coisas proibidas nas Escrituras. Ele propôs o princípio de que tudo devia ser julgado pela Bíblia. Em 1523, houve o primeiro debate público em Zurique e a cidade começou a tornarse protestante. O reformador escreveu os Sessenta e Sete Artigos – a carta magna da reforma de Zurique – nos quais defendeu a salvação somente pela graça, a autoridade da Escritura e o sacerdócio dos fiéis, bem como atacou o primado do papa e a missa. Esse movimento suíço, conhecido como a “segunda reforma”, deu origem às igrejas “reformadas”, difundindo-se inicialmente na Suíça alemã e no sul da Alemanha. Em 1525, o Conselho Municipal de Zurique adotou o culto em lugar da missa e em geral promoveu mudanças mais radicais do que as efetuadas por Lutero. Como estava acontecendo na Alemanha, também na Suíça houve guerras entre católicos e protestantes. Em 1529, travou-se a primeira batalha de Kappel. No mesmo ano, a Dieta de Spira mostrou aos protestantes a necessidade de uma aliança contra os seus adversários. Para tanto, era necessário que resolvessem algumas diferenças doutrinárias. Isso levou ao Colóquio de Marburg, convocado pelo príncipe Filipe de Hesse. Luteranos e reformados concordaram sobre a maior parte das questões doutrinárias, mas divergiram seriamente sobre o significado da Santa Ceia. Em 1531, Zuínglio morreu na segunda batalha de Kappel. 2.5 Os Reformadores Radicais (Anabatistas) O terceiro movimento da Reforma Protestante surgiu na própria cidade de Zurique. Em 1522, homens como Conrado Grebel e Félix Mantz começaram a reunir-se com amigos para estudar a Bíblia. Inicialmente, eles apoiaram a obra de Zuínglio, mas a partir de 1524 passaram a condenar tanto Zuínglio quanto as autoridades municipais, alegando que a sua obra de reforma não estava sendo profunda o 10 suficiente. Por causa de sua insistência no batismo de adultos, foram apelidados de “anabatistas”, ou seja, rebatizadores, sendo também chamados de radicais, fanáticos, entusiastas e outras designações. Por causa de suas atividades de protesto, nas quais chegavam a interromper cultos e celebrações da ceia, os líderes anabatistas sofreram punições de severidade crescente. Em 1526, Grebel morreu em uma epidemia, mas seu pai foi decapitado, Mantz foi afogado e outro líder, Jorge Blaurock, foi expulso da cidade. O movimento logo se difundiu nas vizinhas Alemanha e Áustria e em outras partes da Europa. Um importante líder em Estrasburgo foi Miguel Sattler (c.1490-1527), que presidiu a conferência de Schleitheim (1527), na qual os anabatistas aprovaram a Confissão de Fé de Schleitheim. Essa confissão definiu os princípios anabatistas básicos: ideal de restauração da igreja primitiva; igrejas vistas como congregações voluntárias separadas do Estado; batismo de adultos por imersão; afastamento do mundo; fraternidade e igualdade; pacifismo; proibição do porte de armas, cargos públicos e juramentos. Os anabatistas foram os únicos protestantes do século 16 a defenderem a completa separação entre a igreja e o estado. Os anabatistas adquiriram uma reputação negativa por causa de acontecimentos ocorridos na cidade de Münster (1532-1535). Influenciados por Melchior Hoffman, que anunciou o fim do mundo e a destruição dos ímpios, alguns anabatistas implantaram uma teocracia intolerante naquela cidade alemã. Finalmente, foram todos mortos por um exército católico. Já na Holanda, o movimento teve um líder equilibrado e capaz na pessoa de Menno Simons (1496-1561), do qual vieram os menonitas. Outro líder de expressão foi Jacob Hutter (†1536), na Morávia. Os menonitas e os huteritas viviam em colônias, tendo tudo em comum (ver Atos 2.44; 4.32). Cruelmente perseguidos em toda a Europa, muitos deles eventualmente emigraram para a América do Norte. 2.6 João Calvino (1509-1564) João Calvino nasceu em Noyon, no nordeste da França. Seu pai, Gérard Cauvin, era secretário do bispo e advogado da igreja naquela cidade; sua mãe Jeanne Lefranc, morreu quando ele ainda era uma criança. Após os primeiros estudos em sua cidade, Calvino seguiu para Paris, onde estudou teologia e humanidades (1523- 11 1528). A seguir, por determinação do pai, foi estudar direito nas cidades de Orléans e Bourges (1528-1531). Com a morte do pai, retornou a Paris e deu prosseguimento aos estudos humanísticos, publicando sua primeira obra, um comentário do tratado de Sêneca Sobre a Clemência. Calvino converteu-se provavelmente em 1533. No dia 1º de novembro daquele ano, seu amigo Nicholas Cop fez um discurso de posse na Universidade de Paris repleto de idéias protestantes. Calvino foi considerado o co-autor do discurso e os dois amigos tiveram de fugir para salvar a vida. Calvino foi para a cidade de Angouleme, onde começou a escrever a sua obra mais importante, Instituição da Religião Cristã ou Institutas, publicada em Basiléia em 1536 (a última edição seria publicada somente em 1559). Após voltar por breve tempo ao seu país, Calvino decidiu fixar-se na cidade protestante de Estrasburgo, onde atuava o reformador Martin Butzer (1491-1551). No caminho, ocorreu um episódio marcante. Impossibilitado de seguir diretamente para Estrasburgo por causa de guerra entre a França e a Alemanha, o futuro reformador fez um longo desvio, passando por Genebra, na Suíça francesa. Essa cidade havia abraçado o protestantismo reformado há apenas dois meses (maio de 1536), sob a liderança de Guilherme Farel (1489-1565). Este, sabendo que o autor das Institutas estava de passagem pela cidade, o “convenceu” a permanecer ali e ajudá-lo. 2.7 A Reforma em Genebra Logo, Calvino e Farel entraram em conflito com os magistrados de Genebra e dois anos depois foram expulsos. Calvino seguiu então para Estrasburgo, onde passou os três anos mais felizes e produtivos da sua carreira (1538-1541). Naquela cidade, ele pastoreou uma igreja de refugiados franceses, casou-se com a viúva Idelette de Bure (†1549), lecionou na academia de João Sturm, participou de conferências religiosas ao lado de Martin Butzer e publicou algumas obras importantes, entre elas a segunda edição das Institutas e o Comentário de Romanos, o primeiro dos muitos que escreveu. Eventualmente, os magistrados de Genebra insistiram no seu retorno. Calvino aceitou com a condição de que pudesse escrever a constituição da Igreja Reformada de Genebra. Essa importante obra, as Ordenanças Eclesiásticas, previa 12 quatro categorias de oficiais: pastores, encarregados da pregação e dos sacramentos; doutores para o estudo e ensino da Bíblia; presbíteros, com funções disciplinares; e diáconos, encarregados da beneficência. Os pastores e os doutores formavam a Companhia dos Pastores; os pastores e os presbíteros integravam o Consistório, uma espécie de tribunal eclesiástico. Calvino teve um relacionamento tenso com as autoridades municipais até 1555. No final desse período, em 1553, o médico espanhol Miguel Serveto foi condenado e executado por heresia. Calvino teve uma participação nesse episódio, lamentada por seus herdeiros, o que não anula a sua grande obra como reformador, escritor, teólogo e líder eclesiástico. Em 1559, um ano especialmente significativo, o reformador tornou-se cidadão de Genebra, fundou a sua Academia, embrião da Universidade de Genebra, e publicou a última edição das Institutas. A visão do reformador francês era tornar Genebra uma cidade-cristã-modelo através da reorganização da Igreja, de um ministério bem preparado, de leis que expressassem uma ética bíblica e de um sistema educacional completo e gratuito. O resultado foi que Genebra tornou-se um grande centro do protestantismo, preparando líderes reformados para toda a Europa e abrigando centenas de refugiados. O calvinismo veio a ser o mais completo sistema teológico protestante, tendo por princípio básico a soberania de Deus e suas implicações, soteriológicas e outras. Foi essa a origem das Igrejas reformadas (continente europeu) ou presbiterianas (Ilhas Britânicas). Os principais países em que se difundiu o movimento reformado foram, além da Suíça e da França, o sul da Alemanha, a Holanda, a Hungria e a Escócia. Calvino também se notabilizou como um erudito bíblico. Escreveu comentários sobre quase todo o Novo Testamento e os principais livros do Antigo Testamento. Seus sermões e preleções também expuseram amplamente as Escrituras. Além disso, escreveu muitos opúsculos, tratados e cartas. Mas a maior das suas obras são as Institutas, nas quais ele expôs todos os aspectos da doutrina cristã, apelando às Escrituras e ao testemunho dos antigos pais da igreja. Em muitas de suas obras, se vê uma mão que sustenta um coração, e ao redor as palavras Cor meum tibi offero Domine, prompte et sincere (“O meu coração te ofereço, ó Senhor, de modo pronto e sincero”). 13 2.8 Implicações Práticas Os reformadores não estavam buscando inovar, mas restaurar antigas verdades bíblicas que haviam sido esquecidas ou obscurecidas pelo tempo e pelas tradições humanas. Sua maior contribuição foi chamar a atenção das pessoas para a importância das Escrituras e seus grandes ensinos, especialmente no que diz respeito à salvação e à vida cristã. Para que as Igrejas Evangélicas atuais possam manter-se fiéis à sua vocação, é preciso que julguem tudo pelas Escrituras, acolhendo o que é bom e lançando fora o que é mau. Os reformadores nos mostraram que o critério da verdade não são os ensinos humanos, nem a experiência espiritual subjetiva, mas o Espírito Santo falando na Palavra e pela Palavra. 



V.  A Reforma Protestante – 2ª Parte 

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3.1 A Reforma na Inglaterra Vários fatores contribuíram para a introdução da Reforma Protestante na Inglaterra: o anticlericalismo de uma grande parcela do povo e dos governantes, as idéias do pré-reformador João Wycliff, a penetração de ensinos luteranos a partir de 1520, o Novo Testamento traduzido por William Tyndale (1525) e a atuação de refugiados que voltaram de Genebra. Todavia, quem deu o passo decisivo para que a Inglaterra começasse a tornar-se protestante foi o rei Henrique VIII. Henrique VIII (1491-1547) começou a reinar em 1509. Sendo muito católico, em 1521 escreveu um folheto contra Lutero que lhe valeu o título de “defensor da fé”. Era casado com a princesa espanhola Catarina de Aragão, viúva do seu irmão, que não conseguiu dar-lhe um filho varão, mas somente uma filha, Maria. Henrique pediu ao papa Clemente VII que anulasse o seu casamento com Catarina para que pudesse casar-se com Ana Bolena (Anne Boleyn), mas o papa não pode atendê-lo nesse desejo. Uma das principais razões foi o fato de que Catarina era tia do sacro imperador germânico Carlos V. Em 1533, Thomas Cranmer (1489-1556) foi nomeado arcebispo de Cantuária e poucos meses depois declarou nulo o casamento do rei. Em 1534, o parlamento aprovou o Ato de Supremacia, pelo qual a Igreja Católica inglesa desvinculou-se de Roma e o rei foi declarado “Protetor e 14 Único Chefe Supremo da Igreja da Inglaterra.” O bispo John Fisher e o ex-chanceler Thomas More opuseram-se a essas medidas e foram executados (1535); os numerosos mosteiros do país foram extintos e suas propriedades confiscadas (1536- 1539). Nos anos seguintes, Henrique ainda teria outras quatro esposas: Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard e Catarina Parr. Henrique morreu na fé católica e foi sucedido no trono por Eduardo VI (1547-1553), o filho que teve com Jane Seymour. Os tutores do jovem rei implantaram a Reforma na Inglaterra e puseram fim às perseguições contra os protestantes. Foram aprovados dois importantes documentos escritos pelo arcebispo Cranmer, o Livro de Oração Comum (1549; revisto em 1552) e os Quarenta e Dois Artigos (1553), uma síntese das teologias luterana e calvinista. Eduardo era doentio e morreu ainda jovem, sendo sucedido por sua irmã Maria Tudor (1553-1558), conhecida como “a sanguinária”, filha de Catarina de Aragão. Maria perseguiu os líderes protestantes e muitos foram levados à fogueira. Os mártires mais famosos foram Hugh Latimer, Nicholas Ridley e Thomas Cranmer. Muitos outros, os chamados “exilados marianos”, foram para Genebra, Estrasburgo e outras cidades protestantes. Com a morte de Maria, subiu ao trono sua meio-irmã Elizabete I (1558-1603), filha de Ana Bolena, em cujo reinado a Inglaterra tornou-se definitivamente protestante. Em 1563, foi promulgado o Ato de Uniformidade, que aprovou os Trinta e Nove Artigos. O resultado foi o acordo anglicano, que reuniu elementos das principais teologias evangélicas, bem como traços católicos, especialmente na área da liturgia. Além dos anglicanos, havia outros grupos protestantes na Inglaterra, como os puritanos, presbiterianos e congregacionais. Os puritanos surgiram no reinado de Elizabete e foram assim chamados porque reivindicavam uma Igreja pura em sua doutrina, culto e forma de governo. Reprimidos na Inglaterra, muitos puritanos foram para a América do Norte, estabelecendo-se em Plymouth (1620) e Boston (1630), na Nova Inglaterra. Outro grupo protestante inglês foram os batistas, surgidos a partir de 1607 sob a liderança de John Smyth e Thomas Helwys. Este fundou em 1612 a primeira igreja batista geral. No século 17, no contexto da guerra civil entre o rei Carlos I e um parlamento puritano, foi convocada a Assembléia de Westminster (1643-1649). Essa célebre 15 assembléia elaborou uma série de documentos calvinistas para a Igreja da Inglaterra, entre os quais a Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve, que se tornaram os principais símbolos confessionais das Igrejas reformadas ou presbiterianas. 3.2 A Reforma na Escócia O protestantismo começou a ser difundido na Escócia por homens como Patrick Hamilton e George Wishart, ambos martirizados. Todavia, o presbiterianismo foi introduzido graças aos esforços do reformador John Knox (†1572), um discípulo de Calvino que, após passar alguns anos em Genebra, retornou ao seu país em 1559. No ano seguinte, o parlamento escocês criou a Igreja da Escócia (presbiteriana). Knox fez oposição tenaz à rainha católica Maria Stuart (1542-1587), prima de Elizabete, que viveu na França (1548-1561) e voltou à Escócia para tomar posse do trono. A aceitação do protestantismo ocorreu no contexto da luta pela independência do domínio francês. Alguns anos mais tarde, Maria Stuart teve de fugir e buscar refúgio na Inglaterra, onde foi executada por ordem de Elizabete em 1587. Foi na Escócia que surgiu o conceito político-religioso de “presbiterianismo”. Os reis ingleses e escoceses sempre foram firmes defensores do episcopalismo, ou seja, de uma Igreja governada por bispos. A razão disso é que, sendo os bispos nomeados pelos reis, a Igreja seria mais facilmente controlada pelo estado e serviria aos interesses do mesmo. À luz das Escrituras, os presbiterianos insistiram em uma Igreja governada por oficiais eleitos pela comunidade, os presbíteros, tornando assim a Igreja livre da tutela do Estado. Foi somente após um longo e tumultuado processo que o presbiterianismo implantou-se definitivamente na Escócia. 3.3 A Reforma na França O movimento reformado francês surgiu na década de 1530. Inicialmente tolerante, o rei Francisco I (1515-1547) eventualmente mostrou-se hostil contra os reformados. Henrique II (1547-1559) foi ainda mais severo que o seu pai. Em 1559, reuniu-se o primeiro sínodo nacional da Igreja Reformada da França, que aprovou a Confissão Galicana. Em 1561, havia duas mil congregações reformadas no país, compostas de artesãos, comerciantes e até mesmo de algumas famílias nobres, como os Bourbon 16 e os Montmorency. Os reformados franceses, conhecidos como huguenotes, estavam concentrados principalmente no oeste e sudoeste do país, e recebiam decidido apoio de Genebra. Ao norte e leste estava a facção ultracatólica liderada pela poderosa família Guise-Lorraine. No reinado de Francisco II (1559-1560), os Guise controlaram o governo. Quando Carlos IX (1560-1574) tornou-se rei, sendo ainda menor, sua mãe Catarina de Médici assumiu a regência, mostrando-se inicialmente tolerante para com os huguenotes. Tentando conciliar as duas facções, ela promoveu um encontro de católicos e protestantes, o Colóquio de Poissy, em 1561. Com o fracasso desse encontro, houve um longo período de guerras religiosas (1562-1598), cujo episódio mais chocante foi o massacre do Dia de São Bartolomeu (24-08-1572). Centenas de huguenotes achavam-se em Paris para o casamento da filha de Catarina com o nobre protestante Henrique de Navarra. Na calada da noite, os huguenotes foram assassinados à traição enquanto dormiam, entre eles o seu principal líder, almirante Gaspard de Coligny. Nos dias seguintes, muitos milhares foram mortos no interior da França. Mais tarde, quando o nobre huguenote tornou-se rei, com o título de Henrique IV, ele promulgou em favor dos seus correligionários o Edito de Nantes (1598), concedendo-lhes uma tolerância limitada. Esse edito seria revogado pelo rei Luís XIV em 1685, dando início a um novo período de duras provações para os reformados franceses. 3.4 A Reforma nos Países Baixos Os Países Baixos eram parte do Sacro Império Germânico e depois ficaram sob o domínio da Espanha. Durante o reinado do imperador Carlos V, surgiram naquela região luteranos, anabatistas e principalmente calvinistas, por volta de 1540. Desde o início foram objeto de intensas perseguições, tendo a repressão aumentado sob o rei Filipe II (1555) e o governador Duque de Alba (1567). A revolta contra a tirania espanhola foi liderada pelo alemão Guilherme de Orange, grande defensor da plena liberdade religiosa, que seria assassinado em 1584. Eventualmente, os Países Baixos dividiram-se em três nações: Bélgica e Luxemburgo (católicas) e Holanda (protestante). 17 A Igreja Reformada Holandesa foi organizada na década de 1570. No início do século 17, surgiu uma forte controvérsia por causa das idéias de Tiago Armínio. O Sínodo de Dort (1618-1619) rejeitou as idéias de Armínio e afirmou os chamados “cinco pontos do calvinismo”, cujas iniciais formam em inglês a palavra “tulip” (tulipa): Depravação total ( Total depravity), Eleição incondicional (Unconditional election), Expiação limitada (Limited atonement), Graça irresistível (Irresistible Grace) e Perseverança dos santos (Perseverance of the saints). 3.5 A Contra-Reforma Ao analisarem as ações da Igreja Católica Romana após o surgimento do protestantismo, os historiadores falam em dois aspectos: Contra-Reforma e Reforma Católica. O primeiro foi o esforço da Igreja Romana para reorganizar-se e lutar contra o protestantismo. Essa reação ocorreu tanto no plano dogmático quanto político-militar. Já a Reforma Católica revelou a preocupação de corrigir certos problemas internos do catolicismo em resposta às críticas dos protestantes e de outros grupos. Foram vários os elementos dessa reação. Na Espanha, houve notáveis manifestações de uma rica espiritualidade mística, cujos representantes mais destacados foram Teresa de Ávila e João da Cruz. Além do misticismo espanhol, outro sinal da revitalização católica foi o surgimento de várias ordens religiosas, das quais a mais importante foi a Sociedade de Jesus, fundada pelo espanhol Inácio de Loiola (1491-1556) e oficializada pelo papa em 1540. Além dos votos usuais de pobreza, castidade e obediência aos superiores, os jesuítas faziam um voto adicional de submissão incondicional ao papa. Seu objetivo era a expansão e o fortalecimento da fé católica através de missões, educação e combate à heresia. Os jesuítas exerceram forte influência sobre governantes e contribuíram decisivamente para a supressão do protestantismo em várias regiões da Europa, como a Espanha e a Polônia. O instrumento mais eficaz tanto da Contra-Reforma quanto da Reforma Católica foi o Concílio de Trento, que se reuniu em três séries de sessões entre 1545 e 1563. Seus decretos rejeitaram explicitamente as doutrinas protestantes e oficializaram o tomismo (a teologia de Tomás de Aquino), a Vulgata Latina e os livros denominados 18 apócrifos ou deuterocanônicos. Outros instrumentos da Contra-Reforma foram o Índice de Livros Proibidos (Index Librorum Prohibitorum, 1559) e a Inquisição, especialmente em suas versões espanhola e romana. Como expressão do dinamismo católico nesse período, as ordens dos franciscanos, dominicanos e jesuítas realizaram uma grande obra missionária no Oriente e nas Américas. No território do Sacro Império, os conflitos entre católicos e protestantes continuaram por muitas décadas, atingindo o seu auge na tenebrosa Guerra dos Trinta Anos, que envolveu metade do continente europeu. Essa guerra terminou com a Paz de Westfália (1648), que fixou definitivamente as fronteiras político-religiosas da Europa e marcou o final do período da Reforma. 3.6 Implicações Práticas A história da Reforma nem sempre é agradável e inspiradora. Por causa das profundas conexões entre elementos religiosos e políticos, esse período foi marcado por muita violência em nome da fé. Porque a religião é uma coisa muito importante para as pessoas, as paixões que desperta podem se tornar terrivelmente destrutivas. Os erros cometidos nessa área por diferentes grupos nos séculos 16 e 17 nos servem de advertência e de estímulo para a prática da caridade cristã e da tolerância, conforme o exemplo de Cristo. Podemos, sem abrir mão de nossas convicções, respeitar os que pensam diferente de nós. Ao mesmo tempo, nos impressionamos com o heroísmo de tantos irmãos nossos da época da Reforma, que por causa de sua fé enfrentaram muitas provações e até mesmo mortes cruéis. O evangelho já não exige esse tipo de sacrifício da maioria dos cristãos do Ocidente, mas isso não significa que estamos livres de grandes desafios. São outras as maneiras pelas quais a nossa fé é testada no tempo presente. Viver de acordo com os princípios e os valores do Reino de Deus continua sendo uma prova difícil, mas necessária, para todos os cristãos. 



SUGESTÕES DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

19 BETTENSON, Henry, Documentos da igreja cristã (São Paulo: ASTE, 1967); 3ª ed. revista, corrigida e atualizada (São Paulo: ASTE/Simpósio, 1998). Uma ótima coletânea de fontes primárias dos diferentes períodos da história da igreja. 

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